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28/03/2013

A FERRAMENTA DE BUSCA, PARA O MELHOR OU O PIOR


Retirado do site Observatório da Imprensa.

PLANETA DIGITAL  -  Por James B. Rule em 26/03/2013 na edição 739
Reproduzido do Estado de S.Paulo, 24/3/2013, tradução de Celso Paciornik
      
“A ferramenta de busca perfeita seria como a mente de Deus”, declarou famosamente o cofundador do Google, Sergey Brin. Deliberadamente ou não, com isso ele colocou as aspirações de sua empresa na linha direta de descendência de um dos movimentos intelectuais mais influentes da história – o Iluminismo.

Já no século 17, os pensadores iluministas viam seu mundo no limiar de uma transformação de alto a baixo. Impulsionando essa revolução estava a ascensão do pensamento científico. A ciência e a tecnologia não proporcionariam somente enriquecimento material e aventura espiritual; mais importante ainda, as novas maneiras de pensar resultariam numa governança racional dos assuntos humanos – acarretando, com isso, o fim dos conflitos e da opressão.

Todo conflito humano, ódio entre grupos, partidarismo e luta por vantagens, desse ponto de vista, era um resultado direto da ignorância. À medida que a compreensão científica se estendesse ao funcionamento da vida social em si, as diferenças políticas e sociais se esfumariam como fantasmas em plena luz do dia.

Como “a mente de Deus”, a avaliação científica de situações complexas ou conflituosas revelaria os interesses gerais da humanidade, desautorizando a busca de interesses particulares e partidários. Assim, profetizou o pensador quintessencial do Iluminismo, Henri de Saint-Simon, a religião cederia sua autoridade à ciência e a política se dissolveria na administração.

Os profetas do Iluminismo estavam obviamente corretos ao prever que a ciência e seu rebento tecnológico produziriam tanto abundância material quanto mudanças profundas em nossas maneiras de pensar. Mas o papel da ciência nos assuntos humanos se provou, no mínimo, mais problemático.

Longe de eliminar as bases das mazelas e conflitos humanos, a ciência e a tecnologia deram maior alcance à destrutividade humana.

Assim, os mesmos insights que resultaram na vacinação e no controle de infecções bacterianas, também se prestaram à ascensão da guerra bacteriológica. O desenvolvimento da dinamite para mineiros por Alfred Nobel ajudou a tornar a guerra mais mortífera. As descobertas de novas formas de energia e novas maneiras de explorá-las prepararam o palco para conflitos cada vez mais destrutivos sobre fontes e usos da energia. A ciência genética à serviço da agronomia produziu novas variedades de alimentos e pesticidas – e novos conflitos sobre a propriedade e os usos dessas coisas.

Deuses da guerra

Em suma, é difícil ver “a mente de Deus” em ação na assimilação social de ciência e tecnologia. Os usos dessas capacidades antes parecem refletir o papel de deuses da guerra que, a despeito do Iluminismo, ainda se digladiam dentro da natureza humana.

Olhando para três séculos no futuro – o intervalo que aproximadamente nos separa dos inícios do Iluminismo –, os casos de pensamento científico que deram errado podem assumir formas catastróficas.



Não sabemos quais poderes humanos novos sairão da ciência, nem quais interesses partidários procurarão dirigir esses poderes contra adversários humanos. Mas, sem nenhuma autoridade abrangente para bloquear essa destrutividade cientificamente aumentada, o futuro deve ser visto como um território perigoso.

Observações pessimistas como essas levaram alguns a se perguntar se a expectativa de vida de nossa espécie, ou ao menos as perspectivas de nossa civilização, teriam sido melhores se a Igreja tivesse suprimido definitivamente Galileu e encerrado a tradição científica que ele ajudou a fundar.

E, no entanto, o pensamento iluminista não morrerá. Sua fé nas benesses de uma análise científica mais profunda e um uso mais pleno da informação entrou em nosso DNA cultural. Destacam-se nas manifestações correntes dessa fé nossas reverências à chamada Sociedade da Informação.

Abraçamos a noção de que mais informação e análises mais profundas nos tornarão pessoas melhores e farão de nosso mundo social um lugar melhor. Supomos que os problemas decorrentes da ciência e tecnologia que deram errado – da mudança climática ao crescimento descontrolado da população – são mais bem enfrentados aplicando-se informações mais completas submetidas a análises científicas mais exaustivas.

Encanto

O que me traz à internet. Esse arranjo milagroso de novas fontes de informação e ferramentas analíticas chegou ao cenário com todo o lustro do progresso. Não ficamos todos encantados com a perspectiva de nos tornarmos mais bem informados, mais eficientes e mais estreitamente em contato com nossos íntimos e nossos “amigos”? Quem reclamaria do fabuloso crescimento da economia da informação, a ascensão de uma nova e inovadora meritocracia, ou de bases informativas mais ricas para a participação pública? Dá para imaginar o Conde de Saint-Simon sorrindo de seu paraíso positivista.

Mas um olhar mais atento à ascensão da internet não dá nenhum motivo para considerá-la imune a usos destrutivos. Aliás, muitos interesses cruciais que movem a internet parecem mais os interesses particulares deplorados pelos pensadores iluministas que os interesses comuns a todos.

Como mostraram decisões judiciais recentes nos Estados Unidos e na Europa, os cidadãos comuns têm razões para se sentir desconfortáveis com a versão do Google da “mente de Deus” monitorando seus paradeiros e uso do wi-fi. Por todo o mundo hoje vemos os poderes da internet mobilizados como armas em algumas lutas particularmente abjetas: ciberguerra, hacking e repressão política.

Pensem na evolução da relação da humanidade com a fissão nuclear. Ela chegou como uma maravilha de ciência teórica e uma promessa de energia abundante, mas depois seguiu para um meio de criar armas tão terríveis que supostamente só seriam usadas uma vez. Com os perigos atuais de as capacidades nucleares darem errado, muitos com certeza preferiram que essa particular inovação científica fosse deletada da história.

Seria absurdo descartar a possibilidade de que nós, ou nossos descendentes, algum dia abracemos atitudes similares sobre as tecnologias da informação. Por enquanto, seus benefícios são autoevidentes. Mas esses benefícios não contam a história toda, e essa história está apenas começando.

Vivemos os primeiros tempos da era da internet. Ainda não estamos vivendo no mundo de 1984 de Orwell. Mas também não estamos vivendo no mundo de harmonia e consenso cientificamente sancionado de Saint-Simon.

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James B. Rule, do New York Times

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