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27/02/2012

ATÉ QUE PONTO A TECNOLOGIA SER PRIORIDADE NA EDUCAÇÃO?

Retirado do site do jornal Folha Dirigida.


Última Atualização - 23/02/2012
Por Mário Boechat - mario.boechat@folhadirigida.com.br, Michelle Bento - michelle.bento@folhadirigida.com.br
Alunos do Curso Marly Cury, de Niterói, participam de atividade do Projeto Mixer Guri, no qual crianças podem criar suas próprias músicas utilizando um programa de computador


O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou que lançará em 2012 um novo programa que irá distribuir tablets nas escolas. A intenção da pasta é adquirir 600 mil aparelhos para utilização de professores do ensino médio de colégios públicos das redes federal, estadual e municipal. O custo previsto está entre R$150 milhões a R$180 milhões.


A compra de tablets para uso nas escolas públicas vai de encontro a outro programa do Ministério da Educação, criado há alguns anos. O “Um computador por aluno”, que visa à distribuição de notebooks, mas que não teve o apelo e o sucesso esperado.
A iniciativa no plano federal leva a questionamentos comuns quando o assunto é introdução de tecnologias no processo de ensino. A primeira é em relação ao que efetivamente deve ser prioridade para os professores. Ninguém discorda que instrumentos como tablets, netbooks e notebooks podem ajudar a incrementar o processo de ensino. Mas, a questão é se o gasto com estes recursos deveria ser prioritário em um país onde muitas cidades e estados não pagam, sequer, o piso nacional do magistério, cujo valor, estima-se, que ficará próximo dos R$1.450, para 40 horas semanais, que, por sinal, é lei.


A busca por saídas para melhorar o poder aquisitivo dos professores em todo o país deveria ser prioritária, na visão de representantes da categoria. Até por isso, as primeiras explicações por parte dos representantes do MEC, de que é importante o professor, nos dias de hoje, ter acesso à tecnologia, não têm convencido as direções de sindicatos docentes da educação básica. Os sindicalistas até reconhecem os benefícios do uso da tecnologia, não só para o professor, como para o ensino, mas consideram prioridade a implementação de um piso salarial condizente com as necessidades do magistério.


Para Teresinha Machado, presidente da União dos Professores Públicos no Estado - Sindicato (Uppes), a concessão dos tablets é apenas mais uma medida paliativa. “Temos várias carências que não podem ser supridas com a tecnologia. Uma delas, e a mais importante, são os baixos salários. O piso desvalorizado é o responsável pelas inúmeras exonerações a pedido que temos acompanhado e da consequente falta de professores em disciplinas importantes e no corte de tempo de aula”, salienta.


“O que deveria ser feito
é dar um salário digno”
Para a presidente, a falta de capacitação dos profissionais da Educação vem se refletindo nos resultados dos índices de avaliação. “O governo quer resultados, e quando não são satisfatórios, a culpa é transferida unicamente para o professor, mas o mesmo esquece que a escola está carente de pessoal. Não temos merendeiras, psicólogos, secretários e muitos outros trabalhadores essenciais na escola. A tecnologia é muito boa, mas ela precisa vir acompanhada de outras políticas de investimento”, reitera.



Coordenador do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do RJ (Sepe), Claudio Monteiro compartilha de opinião semelhante. De acordo com o professor, este investimento deveria estar voltado para a melhoria dos salários, em primeiro lugar. “Não somos contra o governo fazer essa oferta, mas o que deve ser feito é dar um salário digno. O nosso reajuste deve ser realizado de uma forma que o salário não perca o seu poder de compra”, destacou o sindicalista. Para ele, os professores brasileiros, de maneira geral, têm outras demandas que são prioritárias em relação a equipamentos eletrônicos.


“O governo precisa atentar para medidas realmente prioritárias para o magistério. Os tablets não podem substituir, de forma alguma, a colocação de prática de ações que viabilizem a melhoria dos salários dos professores. Se algo não for feito a esse respeito, acabaremos com a carreira do professor”, frisa Claudio Monteiro.


Educadores: é preciso 
investir em estrutura
Especialista em tecnologia na educação, Wendel Freire afirma que é natural a presença de recursos inovadores para a cotidiano dos estudantes. No entanto, isso deve ter um resultado de um diálogo reflexivo entre a escola e a sociedade e entre escola e governo, o que, segundo ele, não ocorre. 


“Isto porque para que uma tecnologia seja produtiva educativamente, sua necessidade precisa ser pensada e elaborada pela comunidade escolar. Mas as compras dos laptops são resultado muito mais um monólogo. Parecem mais um bom negócio para as empresas envolvidas que para as escolas. As esferas políticas relacionadas à Educação precisam se afastar de negócios aparentemente bons para negociarem com os professores a sua valorização, este sim o melhor negócio e o mais urgente”, explica. 


Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do mestrado profissional em avaliação da Fundação Cesgranrio, Ligia Leite acredita que apenas comprar as máquinas e implantar a tecnologia não resolvem o problema da Educação brasileira. Para ela, é preciso ter uma política educacional, para que esses recursos possam ser bem implementados. 


“Não basta somente comprar o tablet. É preciso criar uma política de capacitação de professores, criar condições para que os equipamentos possam ser utilizados com eficácia nas escolas, muitas delas nem têm rede wi-fi. Mas não podemos esperar tudo estar implantado e em condições para comprar a tecnologia. Assim, nunca faremos o seu uso”, opina a especialista.


“Tecnologia por si só não 
faz milagres”, diz educadora
A qualificação dos docentes é um ponto essencial para que essa iniciativa do MEC tenha resultado. “Acredito que soluções em Educação não precisam ser necessariamente lineares, ou seja, poderíamos ver acontecer a chegada de novas tecnologias às escolas paralelamente à capacitação tecnológica dos professores. Mas isso não ocorre, ao menos não de maneira suficiente, e, pior, os suportes tecnológicos chegam às escolas como um fetiche de redenção”, lamenta Wendel Freire.


Ligia Leite ressalta que a tecnologia não tem utilidade se não houver profissionais capacitados para manusear os equipamentos. A professora destaca que nem todos os professores se acostumam com grandes inovações, buscando outras formas de transmitir o conhecimento.


“A tecnologia por si só não faz milagres, assim como o quadro negro não fazia. Mas precisa ser utilizada dentro de um projeto pedagógico, com materiais adequados. O que muda são as pessoas que os utilizam. Não adianta apenas equipar, mas o que é feito com essa tecnologia, a pedagogia utilizada. Nem todo mundo se identifica com essa linguagem, tem gente que prefere digitar, escrever, ler. São diferentes maneiras de construir conhecimentos”, garante a docente. 


O especialista em tecnologia na educação completa: “Se entregarmos caderno e caneta a um aluno de classe de alfabetização, ele não começará a escrever do nada. Há um processo de ensino-aprendizagem envolvido e é nele que as políticas públicas deveriam focar, dando a toda comunidade escolar condições efetivas de sucesso. Tecnologias digitais podem significar sucesso, provocar reflexão e autoria por parte dos alunos e professores, mas não pela simples presença”, finaliza. 


Ministro defende investimento
O projeto de compra de tablets para professores foi um dos primeiros anunciados pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Pela proposta, está previsto o investimento de cerca de R$150 milhões para a compra de 600 mil equipamentos do tipo, para uso dos docentes do ensino médio de escolas públicas federais, estaduais e municipais. A ideia é que os equipamentos sejam entregues às escolas no segundo semestre.


O objetivo, segundo o ministro, é promover, a partir do projeto Educação Digital - Política para computadores interativos e tablets, a instrumentação e formação de professores e gestores para o uso das tecnologias de informação e comunicação.


“Estamos definindo que, na educação, a inclusão digital começa pelo professor”, disse Mercadante. Para isso, segundo ele, o MEC já formou mais de 300 mil professores em tecnologias da comunicação e informação, em cursos de 360 horas. Além disso, o serviço de internet banda larga foi instalado em 52 mil escolas públicas urbanas.


Segundo o MEC, os professores e escolas terão acesso, por meio dos tablets, a conteúdos educacionais colocados à disposição no Portal do Professor. Desta forma, serão proporcionadas 15 mil aulas, criadas por educadores e aprovadas por um comitê editorial do Ministério.


Apesar disso, o programa vem recebendo uma série de críticas. A maior parte delas se baseia no argumento de que faltaria ao MEC uma instrução pedagógica clara. No entanto, durante a cerimônia de posse da nova diretoria do Conselho Nacional das Instituições da rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), ocorrida no dia 6, Mercadante rebateu as críticas. Na ocasião, ele teria dito considerar impressionante a resistência ideológica que ainda existe em relação ao debate sobre incorporação das novas tecnologias ao ensino e salientou que em praticamente todas as profissões a tecnologia da informação está presente. 


Segundo ele, o plano pedagógico será criado na prática. “Quanto mais rápido o Brasil aprender a usar essa tecnologia, tanto mais nós nos prepararemos para a sociedade do conhecimento. Aprender com o computador e com o tablet é parte do esforço da escola. Quanto mais rápido o Brasil aprender a usar essa tecnologia, tanto mais nós nos prepararemos para a sociedade do conhecimento”, completou.

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