Retirado do site Notícias Terra.
02 de julho de 2012 • 18h42
Em maio, o governo do Rio Grande do Sul divulgou que mais de 90% dos candidatos a uma das quase 10 mil vagas na rede pública estadual haviam sido reprovados no concurso do magistério. Nesta segunda, pesquisa do jornal Folha de São Paulo aponta que uma em cada quatro seleções para professores realizadas entre 2011 e 2012 naquele Estado terminou sem nenhum aprovado. Os dois processos, que diferem pelos cargos, salários e nível de atuação dos docentes, remetem a uma realidade: o baixo desempenho também é reflexo de uma formação ruim, segundo especialistas.
Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Roselane Zordan Costella, o exame foi bem elaborado. "O nível de complexidade não é o vilão. A prova não estava difícil para o cargo que um professor deve ocupar", diz. Segundo a especialista, o resultado apontou problemas próprios da formação acadêmica. "Muitos cursos de licenciatura não valorizam as disciplinas voltadas à pedagogia, a dar aula. É preciso instrumentalizar alunos e professores para que compreendam a importância dessas disciplinas. Uma coisa é entender matemática, outra coisa é dar aula de matemática. Muitos sabem o conteúdo, mas não sabem ministrá-lo", afirma.
O especialista em Economia da Educação Gustavo Ioschpe concorda com a professora e afirma que, atualmente, os cursos estão mais preocupados em tratar de história, filosofia e sociologia da educação, diminuindo o espaço para abordagens sobre métodos eficazes de dar aulas e transmitir conhecimento aos alunos. Ioschpe aponta ainda deficiências na parte prática. "Os professores recém-formados estão, em sua maioria, despreparados para dar uma aula eficaz. Não há preocupação com a parte mais importante do curso, que é o estágio, em que o futuro professor dá aulas e tem a oportunidade de avaliar e corrigir a sua prática. Nos países de boa performance educacional, essa etapa é crucial. No Brasil, é um apêndice do curso, ao qual não se presta muita atenção", destaca.
Baixa escolaridade
O resultado do exame gaúcho serve como termômetro para o desempenho dos professores em escala nacional. Além dos problemas próprios da fase acadêmica, o baixo nível de escolaridade também se mostra um importante indicador. De acordo com dados de 2010 do Ministério da Educação, dos pouco mais de 2 milhões de professores da educação básica, cerca de 620 mil não têm ensino superior.
Além das carências nos cursos de pedagogia e licenciatura, ainda há profissionais que sequer são formados em sua área de atuação. Para enquadrar os professores em exercício na rede pública à formação exigida pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), o governo brasileiro aposta atualmente no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor). A ação emergencial facilita o acesso aos cursos com licenciatura a partir de três frentes: a primeira licenciatura, voltada a docentes sem formação superior; a segunda licenciatura, para aqueles que trabalham em área distinta de sua formação inicial; e a formação pedagógica, com foco em docentes graduados, mas não licenciados. Em 2012, segundo o MEC, a meta é atingir 60 mil profissionais.
Para controlar a qualidade de ensino e a preparação dos recém-formados, Ioschpe é a favor do processo de certificação, equivalente ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para os bacharéis em Direito. "Em vários países, o futuro professor precisa passar em uma prova ao final da sua formação para poder exercer a docência. Alguns estudos mostram que a criação desse mecanismo tem impacto positivo sobre a qualidade do ensino", diz.
Porém, o especialista faz ressalvas. "É importante que não nos iludamos. Isso só dá certo quando há demanda social por educação de qualidade. Enquanto tivermos uma população satisfeita com a qualidade do ensino ministrado a seus filhos, qualquer mecanismo de controle será inócuo. As autoridades simplesmente terão de baixar as exigências das provas, como terá de fazer agora o governo gaúcho e como já fez antes o de São Paulo, que chamou ao serviço professores que haviam sido reprovados em concurso. Os governantes precisam intervir nos cursos de formação de professores, e só comprarão essa briga se houver apoio da sociedade", afirma.
Avaliação deve ser ampla
A pesquisadora em educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) Leda Scheibe garante que uma prova não é suficiente para avaliar a categoria. "Esse é apenas um dos elementos importantes. Quando se faz uma avaliação, é preciso ser mais amplo, fazer entrevista, observar uma aula prática", defende. Segundo a vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação do Rio de Janeiro (ANPEd), está sendo elaborada pelo Inep uma prova para os professores das séries iniciais, que serviria para homogeneizar o processo de seleção para a rede pública, cujo custo, principalmente para os pequenos municípios, é bastante alto.
O exame poderia também servir como um indicador de desempenho mais abrangente. "A Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) foi uma das grandes incentivadoras da realização dessa prova nacional, prometida para 2013 e que está em plena elaboração. Se vai ficar só nisso, aí temos que nos preocupar. Se for compor um contexto maior, é válido. O exame vai avaliar os conteúdos dos professores. Mas, e a forma, como ele vai avaliar? Nenhuma prova dá conta disso. Essa prova vai valer mesmo, penso eu, para professores recém-formados, vai servir para concursos", opina Leda. A informação, no entanto, não foi confirmada pelo Inep até o fechamento desta reportagem.
Questão salarial
Para Leda, o mau desempenho dos profissionais da educação tem como uma de suas causas os baixos salários e as más condições de trabalho. "Uma questão, a mais fundamental, é a valorização da carreira. Se é mais valorizada, tudo cresce junto", diz a especialista da Unoesc. Roselane, professora da UFRGS, concorda e afirma que as necessidades financeiras exigem que os professores tenham mais de um trabalho, diminuindo o tempo de estudo tanto antes, quanto depois da faculdade. "Quem estuda para o vestibular de medicina, por exemplo, em que a concorrência é grande, estuda muito. Na hora de um concurso, ele também chega mais bem preparado. No caso dos professores, por mais que se esforcem, eles não têm tempo para estudar, não conseguem se dedicar. Os baixos salários exigem que eles trabalhem muito, 60 horas semanais. Muitos que rodaram são os próprios contratados do Estado, que trabalham tanto porque ganham pouco", afirma.
Ioschpe discorda. "Na maioria dos países, o professor de educação básica também é um funcionário público, que ganha relativamente menos do que outras pessoas com ensino superior e que não tem grande status. No entanto, esses países têm sistemas educacionais bem melhores do que o brasileiro", garante. Para o economista, o problema está fortemente ligado à formação. "Nossos cursos de pedagogia e licenciatura não podem criar currículos para alunos ideais, para gênios. Precisam trabalhar com o aluno real e precisam formar, mesmo a partir dessas dificuldades, um profissional capacitado para o exercício de sua profissão", diz.
Se não há consenso sobre as consequências de uma melhor valorização da carreira, ao menos os três especialistas concordam em um aspecto: os profissionais devem ser melhor preparados e receber acompanhamento. "Atualmente, o professor faz concurso e vai para a sala de aula. Não tem acompanhamento. Em outros países, no primeiro mundo, isso é comum. A formação precisa ser mais cuidada", reforça Leda.
ABAIXO-ASSINADO UMA MATRÍCULA UMA ESCOLA
A lei 2200 garante que os professores da rede estadual não podem mais ficar em mais de uma escola, entretanto o governador Cabral quer impedir que ela seja oficializada.
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04/07/2012
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