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18/03/2013

O PERFIL DE UMA POPULAÇÃO QUE TEM NAS RUAS O SEU ENDERÇO


Retirado do site do jornal O Globo.

Maioria é homem, do Rio, tem de 25 a 59 anos e usa drogas
PAULA AUTRAN -  WALESKA BORGES 
Publicado: 16/03/13 - 7h00
O mestre de obras Josias Cruz: ‘Este é o meu novo endereço’ Pablo Jacob / O Globo

RIO — Quem passa pela esquina das ruas Riachuelo e Silvio Romero, no Centro, não distingue Romeo Humberto de Medeiros, de 51 anos, entre outros moradores de rua. Com cerca de 1,70m, olhos esverdeados, ele, que já morou na Barra, fala inglês e arranha francês, espanhol e italiano. Chamado de “professor” pelos colegas de rua, quando abordado Romeo cita o poeta e escritor alemão Charles Bukowski e o renascentista italiano Nicolau Maquiavel, autor de “O príncipe”. Conta que trabalhou por anos em cursos de inglês conhecidos da cidade, antes de ir viver nas ruas, em 2003, por causa de problemas familiares e álcool.

A população que cresce a olhos vistos nas ruas da cidade — são 6.300 pessoas, segundo estimativas da Secretaria municipal de Desenvolvimento Social: um aumento de 31,25% em dois anos — tem rostos que não se fazem notar nos corpos maltrapilhos e sujos estirados sobre pedaços de jornal e papelão pelas calçadas. O que a pressa dos pedestres não deixa enxergar, uma pesquisa feita pela secretaria revela: das 22.321 abordagens feitas de janeiro a dezembro do ano passado, a imensa maioria delas são homens, entre 25 e 59 anos, sem ocupação, sem documentos e usuários de algum tipo de droga.

— São histórias que se repetem, mas cada pessoa tem um drama. Afinal, ninguém vai morar na rua do dia para a noite. O que faz uma pessoa trocar uma cama por pedaços de papelão? Organizamos os dados e, agora, entramos na particularidade dos casos. As pessoas não são iguais para serem tratadas de forma genérica. Se ela foi para a rua por falta de emprego, precisa ter acesso a programas de requalificação, fazer cursos. Se foi por drogas, a solução está em tratamento específico e desintoxicação — explica o secretário municipal de Desenvolvimento Social, Adilson Pires, que em abril pretende ter pronto um plano de políticas públicas para atender essas pessoas.

Do total das pessoas abordadas (como vão e voltam para as ruas, elas são abordadas mais de uma vez), a grande maioria é do Rio mesmo. Mas quase um terço do total vem de outros municípios, incluindo quem morava em outros estados. E há até quem tenha vindo de outros países. Entre os principais motivos apontados como causa da troca da casa pela rua, os moradores citam conflitos familiares e uso de drogas.




Segundo o secretário, o número de moradores de rua aumentou não só porque a população do Rio como um todo ficou maior, mas também porque as chances de melhora de rendimentos na cidade cresceu de forma expressiva com os investimentos feitos por conta dos grandes eventos que serão sediados aqui, o que atrai pessoas de outros municípios e até de outros estados a vir para cá em busca de oportunidades. Para levá-los de volta às suas cidades existe o projeto "De volta à terra natal", que só entre 23 de janeiro e 25 de fevereiro devolveu 36 pessoas às suas famílias, com direito a passagens, em alguns casos até de avião. São principalmente adultos entre 30 e 59 anos (a maioria homens), mas houve dois casos de crianças de até 6 anos. Todos tiveram parentes localizados pelos funcionários da prefeitura e quiseram voltar para casa, a grande maioria na própria região Sudeste. Com as passagens foram gastos R$ 7.928,86, sendo R$ 6.913 em transporte rodoviário.




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  • — Vamos ter no Rio eventos internacionais que podem inspirar a lógica da higienização. Não faremos esta prática de tirar todo mundo da rua por tirar. O que vamos fazer com este monte de gente, não só na Copa, nas Olimpíadas? Precisamos dar alternativas para elas — diz Adilson. — As abordagens são diárias, em pontos diferentes da cidade. Boa parte deles aceita ir para os abrigos, mas esses lugares não podem ser um espaço permanente para uma pessoa.
    Mas a prefeitura ainda tem um grande desafio a cumprir, segundo quem trabalha com população de rua. De acordo com o assistente social Marcelo Jaccoud, do Conselho Estadual de Assistência Social, os abrigos deveriam contar com 3.500 vagas. Ainda conforme ele, a Lei Federal 12.435/11 prevê a implantação de centros de convivência para pessoas em situação de rua e abrigos com no máximo 50 vagas:

    — Essas medidas garantem o atendimento individualizado que essas pessoas precisam. Não adianta levar essas pessoas dez vezes para o mesmo lugar sem que se encaminhe a solução dos problemas de cada um.

    De acordo com Jaccoud, não é verdade o mito de que essas pessoas não querem sair das ruas:
    — Quase diariamente atendo pessoas pedindo abrigo e, em muitos casos, sou obrigado a dizer que não existem vagas. É comum que as pessoas sejam levadas pela prefeitura para abrigos, especialmente o de Paciência, e sejam impedidas de entrar por falta de vagas. Todas as pessoas que moram nas ruas chegaram ali em razão de um ou vários problemas. Ninguém escolheu ir para a rua do nada. Elas precisam ter perspectiva de que sua vida possa ser melhor .

    De acordo com a coordenadora do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População de Rua, Glória Miranda, que atende denúncias de moradores de rua e fica localizado no Centro, há casos em que o morador de rua vai para Central de Recepção, órgão da prefeitura na Ilha do Governador, e espera dias até conseguir uma vaga num abrigo. Segundo ela, o horário de permanência no abrigo é entre 18h e 7h. Depois o morador de rua é obrigado passar o dia na rua.

    — Muitas pessoas acabam desistindo do abrigamento. Além disso, temos denúncias de que, no abrigo de Paciência, os traficantes invadem o lugar quando querem fugir de confrontos com a polícia. Temos informações, também, de que os traficantes dividem até as refeições com os abrigados — diz Glória.

    Sobre a falta de vagas em abrigos, a Secretaria municipal de Desenvolvimento Social informa que a oferta é compatível com as ações de acolhimento realizadas pela prefeitura, no âmbito de uma política de reinserção social da população de rua. Quanto à Central de Recepção da Ilha, segundo a prefeitura, a unidade tem por finalidade realizar o Plano de Atendimento Individual do acolhido. O trabalho inclui reinserção familiar, emissão de documentos, atendimento médico e cuidados de uma equipe multidisciplinar. Por causa desses serviços, o abrigado deixa a unidade durante o dia e retorna para o pernoite. A secretaria informa, ainda, que não tem relatos de tráfico de drogas nas dependências do Rio Acolhedor, em Paciência.

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